A cinco passos de você e a adolescência hospitalizada
A cinco passos de você (Five Feet Apart, 2019) pode ser considerado por muitos mais uma das produções americanas que seguem no filão de filmes para adolescentes, os quais repetem uma fórmula de sucesso composta por uma história de amor açucarada e pungente de protagonistas, sendo ambos ou apenas um destes, jovens portadores de alguma doença grave e incurável que superam as limitações da enfermidade por meio da descoberta de um amor juvenil.
Contudo, a meu ver o filme do diretor novato Justin Baldoni se diferencia dos demais em alguns aspectos que merecem uma análise mais atenta e despida de preconceitos.
Conciliando a linguagem cinematográfica com a das mídias sociais o cineasta capta o universo jovem dialogando com a geração contemporânea que sempre conectada se comunica por mensagens, chamadas de vídeo e que produz conteúdo para o Youtube como faz a protagonista Stella (Haley Lu Richardson) semelhante à personagem real na qual foi baseada, Claire Wineland[1] que produzia vídeos sobre sua rotina como portadora de fibrose cística para seu canal.
Soma-se a isso a estética do filme que combina elementos do vídeo com cinematográficos. Imagens e sons, que intercalando-os, de acordo com o meio que o originam (celular ou câmera portátil), durante as cenas.
Por dentro da história: humanizando o ambiente hospitalar
Em uma hora e cinqüenta e seis minutos o filme A cinco passos de você mostra a história de amor impossível. Stella Grant e Will Newman (Cole Sprouse), ambos pacientes em tratamento de fibrose cística. A qual impossibilita que se toquem sendo necessário manterem-se a distância de seis passos para não se contaminarem.
Apesar de soar clichê e do filme ser a estréia de Justin Baldoni na direção. O longa consegue se estruturar graças ao modo como o cineasta conduz a narrativa Construindo assim mais do que mais um dramalhão juvenil habitual. Graças a alguns elementos que diferenciam seu romance dramático teen dos demais do gênero.
Uma das qualidades do filme é a capacidade do diretor e de seu elenco de atores de conseguirem familiarizar o público com o ambiente hospitalar. No interior do qual se desenvolve a maior parte da história.
Com isso ao invés de uma sensação claustrofóbica o espectador é conduzido pelos vários espaços do hospital. De forma natural graças ao modo como os personagens ocupam e se apropriam de um lugar a primeira vista frio e triste. Mas que humaniza-se devido às relações de afeto que ali se desenvolvem. Seja por meio da afinidade dos personagens-pacientes com suas enfermeiras. Bem como com seus amigos e parentes que os visitam. Seja pelo convívio harmonioso e franco entre estes personagens como a amizade de longa data entre Stella e Poe (Moises Arias). E obviamente pela relação amorosa entre os protagonistas Will e Stella.
Mais do que um lugar destinado ao tratamento de doentes. O hospital do filme de Baldoni é um lugar de encontros e despedidas. Pelo qual o espectador transita com os personagens em seus trajetos pelos corredores, refeitório, sala de operação, academia, espaço de convivência, piscina e cobertura.
Além da atuação convincente do trio de protagonistas interpretados por Richardson, Sprouse e Arias. A direção de arte também colabora para conferir um tom mais intimista a história. Aproximando-nos do universo destes jovens personagens que lidam com uma doença incurável de forma corajosa e bem humorada.
Cada quarto de cada personagem-paciente reflete seus perfis. Desde o organizado e delicado quarto de Stella ao sombrio e desorganizado de Will. Os objetos de cena utilizados para compor esses ambientes pessoais dos protagonistas também contribuem para complementar a construção do perfil de cada um sendo relevantes em momentos pontuais da história.
O caderno de afazeres de Stella. O mural de desenhos e o mini urso panda de pelúcia lembranças deixadas por Abby Grant (Sophia Bernard) irmã falecida de Stella. Além dos desenhos em grafite de Will que mais do que comporem seu personagem auxiliarão na narrativa e na comunicação entre o casal em momentos significativos do filme.
A caracterização dos personagens também é digna de nota. Além do figurino casual dos personagens, os quais se repetem funcionando para demonstrar toda a atmosfera rotineira de tratamento num ambiente hospitalar. Há ainda o trabalho da equipe de maquiagem que buscou reproduzir de modo verossímil as cicatrizes e a feição abatida comum em pacientes de fibrose cística.
Antagonistas
Outro elemento relevante do filme é a presença de dois antagonistas para dificultar a realização amorosa entre o casal protagonista. Além dos empecilhos da doença Will e Stella têm no excesso de dedicação e zelo da enfermeira Barb (Kimberly Hebert Gregory) por seus jovens pacientes. Um obstáculo para seus encontros afetivos no hospital.
Contudo, mesmo em meio a suas interferências na tentativa de impedir a proximidade ente o casal. A personagem Barb longe de ser uma vilã acaba cativando o espectador com seu carisma graças ao talento da atriz Kimberly Hebert Gregory.
Acrescenta-se a tudo isso a habilidade do diretor em fazer mais que um filme juvenil. Um filme informativo e esclarecedor sobre uma doença pouco conhecida do grande público.
A câmera de Baldoni
Debutando na função de diretor Justin Baldoni também não decepciona. No que diz respeito a escolha de seus movimentos de câmera e planos. Apesar de não inovar nos movimentos de câmera (não detendo esta por muito tempo em seus personagens (o que é uma pena!), de fazer uso abundante de plano e contra plano e de sua montagem com transições muito fundidas, da economia de plano detalhe). O diretor produz algumas belas imagens com planos em plongée algumas destas dialogando com outros filmes. Além da técnica do zoom para contrapor os sentimentos dos personagens.
Vale ressaltar ainda o trabalho da direção de fotografia alternando em tons claros e escuros entre as cenas predominando o verde, o azul, o branco e o marrom.
Trilha sonora
Parte importante em qualquer filme é oferecer ao público um cardápio musical variado e de qualidade que o leve a associar a canção aos personagens. Em A cinco passos de você, a música é onipresente e confere ritmo a história evitando que o espectador se fadigue como geralmente pode ocorrer em filmes que utilizam uma só locação.
As vozes femininas de Birdy (The district sleeps alone tonight), Kate Davis (entoando o nostálgico sucesso de Nina Simone , My baby Just cares for me ) e Daughter que encanta com sua voz melódica contando com duas canções no filme, estas tocadas durante duas cenas importantes da história.
Apesar de Bryan Tyler assinar grande parte das composições do filme outras vozes masculinas fazem parte da trilha sonora como a agitada On & On & On da banda indie Born Ruffians e as pungentes músicas do muti-instrumentista inglês Novo Amor (State Lines e Anchor).
Ainda a respeito da trilha sonora é interessante notar as escolhas musicais prudentes do diretor para cada cena, como por exemplo, na cena da piscina, na qual embalados pela sensual e suave canção Shallows de Daughter, Will e Stella despem-se vagarosamente um para o outro próximos a piscina do hospital.
Com certa dose de um erotismo suave e funcionando como uma metáfora para representar uma espécie de ‘primeira vez’ da personagem Stella, o tom de sensualidade da cena é potencializado com a música de Daughter ao fundo, tornando-se um dos momentos mais belos do filme.
A auto-imagem na fibrose cística: redescobrindo-se com o amor
Alguns momentos em A cinco passos de você exigem do espectador um olhar sensível para captar o significado contido em uma ação aparentemente simples do casal de personagens protagonistas, mas que comunicam de uma forma singela e especial não somente com a parcela de espectadores que também sofrem com a doença como também com quem já esteve por algum tempo em tratamento médico duradouro a base de remédios, operações e demais recursos para tratar uma enfermidade seja esta qual for.
Refiro-me aqui a duas cenas similares do filme, nas quais os personagens arrumam-se em frente ao espelho para encontrarem-se em um dos espaços do hospital. Em outro contexto a ação de arrumar-se enquanto vêem o próprio reflexo no espelho seria banal, mas neste filme estamos assistindo a dois jovens pacientes redescobrindo a própria imagem por meio do desejo de estarem ‘apresentáveis’ um para o outro.
Ansiosa e animada Stella brinca com os próprios cabelos enquanto decide o melhor modo de arrumá-lo, em seguida se maquia e pronta detém-se um tempo olhando-se no espelho e sorri.
Em outro momento do filme observamos Will se arrumando, entre ajustes no cabelo e na camiseta, em um breve instante o personagem remove seu respirador das narinas e surpreende-se ao ver-se sem o aparelho inseparável, sem o qual ele é mais um garoto normal arrumando-se para um encontro.
O interessante em ambas as cenas é a percepção de si mesmos que os personagens passam a ter. A partir desta atitude simples, mas que faz toda a diferença para quem teve sua auto-estima afetada por uma doença que compromete não apenas o sistema respiratório, mas também o emocional de seus pacientes, os quais na rotina extenuante do tratamento acabam resistindo a mirar a própria imagem, abatida devido ao tratamento.
Stella e Will redescobrem-se através do amor que resgata seus reflexos antes esquecidos.
A renúncia como prova de amor
Considero o desfecho dado ao filme por Baldoni o principal elemento que diferencia seu filme dos demais deste filão teen. Ao escolher manter seus protagonistas vivos. Restando a um deles renunciar a prosseguir a relação amorosa. O diretor sai do lugar comum e mostra a capacidade de escolha de um jovem que gradualmente foi amadurecendo ao vivenciar um sentimento que até então desconhecia.
No final, Will não é mais aquele adolescente marrento, inconseqüente e resignado com a própria morte. Mas alguém que realmente aprendeu a capacidade de amar e ser amado e o quanto isto nos modifica.
Nem mesmo a impossibilidade do toque e a ausência de troca de beijos entre o casal protagonista impedem a conexão do público com a história. Baldoni não filma apenas mais um amor adolescente condenado por uma enfermidade. Traz para a tela a difícil realidade de pessoas com fibrose cística.
O filme ainda promove o debate acerca da mortalidade por meio dos diálogos tecidos entre os protagonistas. O que ajuda o público jovem a refletir sobre a efemeridade da vida em uma fase em que consideramos termos todo tempo do mundo a nosso favor.
Referências
A cinco passos de você. Direção: Justin Baldoni, EUA, 2019, 1h56min, son., color.
[1] Foi uma ativista americana e autora. Por meio de sua organização, sem fins lucrativos, ela apoiou pessoas com doenças terminais e crônicas, bem como suas famílias. Faleceu aos 21 anos de um derrame uma semana depois de um transplante de pulmão.