Amores Eletrônicos: amor e tecnologia
Um conto de fadas de computadores é assim que o longa-metragem Amores eletrônicos (Eletric Dreams, 1984) é definido já em seu início. O filme do diretor Steve Barron aborda, de maneira divertida e criativa, a relação entre homem e máquina.
Miles Harding (Lenny Von Dohlen) é um tímido e atrapalhado arquiteto que sempre chega atrasado ao trabalho. Para tentar solucionar este problema ele adquire um computador doméstico capaz de controlar todos os aparelhos eletrônicos da casa de modo a facilitar e otimizar o dia-a-dia de seu usuário.
Encantado com os recursos do computador Miles estabelece uma relação de dependência com a máquina que ajudá-o a aproximar da nova vizinha, a violoncelista Madeleine (Virginia Madsen).
A compatibilidade entre música e o universo tecnológico por meio da interação entre a violoncelista e o computador de Miles, aguça o interesse de Madeleine pelo vizinho aproximando-os e nos brindando com uma bela cena do dueto da personagem com o computador na execução de uma sinfonia de Johann Sebastian Bach.
Paralelamente a interação do protagonista Miles com o computador Edgar a proximidade entre Madeleine e o arquiteto aumenta e tudo parece perfeito na vida do até então solitário Miles, porém o desejo do computador Edgar em sentir emoções humanas e em agradar o dono abala a relação homem-máquina, esta ainda mais acirrada pela idealização de Madeleine por Edgar.
Inicia-se então uma disputa entre Edgar e Miles quando a máquina se rebela e decide dificultar a vida de seu proprietário. O embate entre homem e máquina alcança os extremos quando Miles vê sua vida tornar-se uma grande bagunça, o que faz com que o arquiteto tenha de tomar uma difícil decisão para que possa viver tranquilamente sua vida ao lado da amada Madeleine: despedir-se definitivamente do computador e ‘amigo’ Edgar.
O diálogo entre o computador e Miles, em uma cena emocionante, nos leva a refletir até que ponto nos deixamos dominar pelas facilidades e praticidades da tecnologia em nossas vidas e o quanto permitimos que ela interfira em nossas relações.
O filme, aliás apesar de passar-se na década de 80 traz uma discussão atemporal, a qual devemos recorrer para pensar acerca da influência da tecnologia e das redes sociais em nosso modo de viver e relacionar na contemporaneidade.
Há de se considerar a importância da tecnologia enquanto elo de interação entre seus usuários sem desconsiderar neste contexto as ambiguidades que ocasiona, pois ao mesmo tempo em que promove a comunicação e aproxima-nos ela também nos faz viver em nossas pequenas ‘ilhas’ digitais com nossos computadores e telefones.
Ela & Amores eletrônicos: interseções possíveis
É quase impossível assistir a Amores Eletrônicos (1984) e não traçar um paralelo entre os protagonistas Miles e Theodore Twombly do filme Ela (Her, 2013) de Spike Jonze. Apesar de se passarem em épocas totalmente distintas e terem enredos completamente diferentes, há de se considerar certos aspectos que aproxima os protagonistas Miles e Theodore, tais como a vida solitária e a dificuldade de interação social de ambos, bem como o maravilhamento e o enfrentamento da relação homem-máquina que ocorre tanto entre Miles e Edgar quanto entre Theodore e Samantha, esta, entretanto diferenciando-se por ser uma relação ‘amorosa’ entre um sistema operacional e um usuário, enquanto entre Miles e Edgar existe uma ‘amizade’ e ao mesmo tempo uma disputa amorosa.
Enquanto Miles encontra, por meio do computador Edgar (Bud Cort), um auxílio para interagir socialmente Theodore após uma separação traumática isola-se mais do mundo à medida que sua relação com o sistema operacional Samantha (Scarlett Johansson) torna-se mais intensa.
Tanto Amores Eletrônicos (1984) quanto Ela (2013) utilizam-se da tecnologia para abordar um tema universal: o amor. O sentimento e sua complexidade em meio a interação homem-máquina triunfa ao final de Amores eletrônicos, mas é um desafio constante dos seres humanos em Ela que adota uma visão mais racional e cética colocando em cheque a capacidade do amor resistir à medida que a tecnologia torna-nos mais solitários.
O protagonismo da trilha sonora de Amores eletrônicos
Em Amores eletrônicos a música é o elo de ligação entre os personagens Miles, Edgar e Madeleine. Sob a coordenação do genial e experiente produtor musical Giorgio Moroder, responsável por trilhas sonoras de sucesso de filmes como Top Gun (1986), Scarface (1984), Flashdance (1983) entre outros, Amores eletrônicos vai da música clássica ao New Wave e nos embala com canções que potencializam as ações dos personagens como, por exemplo, a sequência icônica em que o computador Edgar toca para Miles a canção que compôs para Madeleine: “Love is Love da banda Culture Club”.
Em uma espécie de mini videoclipe dentro do filme vemos o protagonista Miles pensar na amada Madeleine enquanto escuta a açucarada música de Boy George.
Há ainda a sequência final, na qual o casal protagonista e toda a cidade de São Francisco são contagiados pelo som dançante da música “Together in eletric dreams” de Philip Oakey.
Além da trilha sonora de qualidade, Amores Eletrônicos reúne um talentoso e cativante casal de protagonistas (Lenny Von Dohlen e Virginia Madsen) combinando a um roteiro bem estruturado e com ritmo, além da pertinência e atemporalidade da abordagem acerca da tecnologia e sua influência nas relações humanas.
Enfim, razões não faltam para revisitar e se divertir com este simpático filme do cineasta Steve Barron!
Referências
Amores Eletrônicos. Direção: Steve Barron, 92min, 1984.
Ela. Direção: Spike Jonze,126 min, 2013.