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Crítica – Eu, Tonya (2017)

Eu, Tonya e a necessidade de falarmos sobre relacionamentos tóxicos

Eu, Tonya (I, Tonya, 2017) não é uma cinebiografia voltada para mostrar a carreira, superação e decadência de uma esportista, nem tem como intuito se deter na patinação no gelo e seus termos técnicos enquanto modalidade esportiva, mas é um filme que se sustenta nas relações tóxicas vivenciadas por uma patinadora e o modo como estas foram constituindo sua personalidade.

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Em duas horas de filme, o longa-metragem por meio da quebra da quarta parede pela protagonista, e de narrações repletas de humor ácido de seus personagens, nos conduz para dentro da conturbada vida de Tonya Harding, aqui brilhantemente interpretada por Margot Robbie, desde sua infância marcada por sua família disfuncional ao casamento infeliz com um marido violento.
Apesar de cenas na pista de patinação mostrando um pouco o universo do esporte o filme quer de fato ajudar o público a compreender a personalidade visceral e controversa de Tonya por meio da série de relacionamentos nocivos vividos pela patinadora. A passividade de um pai, o controle, pressão e violência de uma mãe dominadora e insensível aos sentimentos da filha, o assédio do meio irmão deixam claro o quanto Tonya tornou-se produto de uma entidade familiar falida, da qual na tentativa de escapar por meio do casamento acaba vendo o mesmo cenário reproduzir-se no interior do mesmo.

Da violência doméstica e psicológica da mãe

Da violência doméstica e psicológica da mãe (Allison Janney) Tonya experimenta a mesma experiência abusiva nas mãos do marido Jeff (Sebastian Stan). Como é comum no comportamento de vítimas de relacionamentos tóxicos Tonya assume discursos culpabilizando-se e desculpando-se quando de fato é ela a vítima. Em uma das cenas mais emblemáticas do filme a ineficiência da lei e sua omissão diante da violência contra a mulher ocorre quando após discussão violenta com o marido que acaba acertando-a com um tiro de raspão, Tonya ainda com sinais da agressão no rosto ensanguentado é juntamente com o marido parada por um policial na estrada, o qual ignorando a situação visível de violência libera o casal sem questionar ou levar Jeff para a delegacia.

Após essa trajetória de abusos chegamos ao ponto principal da história real e de certo modo esdrúxula: o atentado contra sua colega de patinação Nancy Kerrigan (Caitlin Carver), Tonya passa então a ter de lidar com a derrocada de sua carreira na patinação ao mesmo tempo em que tem sua vida pessoal exposta pela mídia após a descoberta de seu envolvimento no episódio que ainda contou com a participação de seu guarda-costas, seu esposo e outros dois comparsas.

 

Eu, Tonya é um filme incisivo que busca na origem humilde, no desarranjo familiar e nos contextos de violência doméstica vivenciados pela esportista, mostrar o quanto ambientes emocionalmente conturbados podem potencializar falhas de caráter já existentes no indivíduo.
Ao mesmo tempo parece ser uma tentativa do cineasta Craig Gillespie ceder espaço para certa mea-culpa da verdadeira Tonya Harding, através da interpretação de Margot Robbie, ao mostrar que ela é uma anti-heroína incompreendida e de certa maneira uma ‘vítima’ das circunstâncias e da total falta de afeição daqueles que deveriam ter lhe dado amor e apoio ao longo da vida.

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