Inquietos: um diálogo sobre morte na juventude
Considerado um cineasta especialista quando o tema é juventude.
Gus Van Sant consegue em seus trabalhos, de um modo único e com um olhar sensível, retratar a adolescência explorando temas pertinentes sem cair no lugar comum dos filmes do gênero.
Basta assistir a alguns de seus filmes (Garotos de Programa, Elephant e Paranoid Park) para notar o modo como o diretor filma e nos conduz para o interior do universo teen por meio de temáticas complexas: prostituição, homossexualidade, drogas, bullying e morte.
Aqui me aterei em analisar Inquietos (Restless, 2011). Meu filme favorito de Gus, por vários motivos: temática, fotografia, elenco, figurino e trilha sonora. Tais elementos somados ajudaram a criar um universo particular no qual adentramos durante os 91 minutos de uma história delicada e encantadora.
Falar sobre a morte com naturalidade e suavidade é o que Inquietos consegue por meio de sua qualidade visual e do cativante casal de jovens protagonistas Enoch (Henry Hopper) e Annabel (Mia Wasikowska).
Enoch é um garoto solitário e de hábitos peculiares como a amizade que mantêm com o fantasma kamikaze Hiroshi (Ryo Kase) com quem passa a maior parte do tempo jogando batalha naval ou atirando pedras em trens.
O garoto em sua obsessão pela morte, por não ter tido quando criança a oportunidade de comparecer ao velório dos pais.
Costuma frequentar enterros de desconhecidos, e em um destes conhece Annabel.
Arredio a garota a princípio, o rapaz passa a deixá-la se aproximar após ela ‘salvá-lo’ de uma situação constrangedora em um dos velórios.
Dali em diante os dois passam a se verem com frequência dando início a uma bela amizade que gradualmente evolui para um amor juvenil.
Ciente do problema de saúde de Annabel e experiente acerca da morte por tê-la vivenciado desde a morte trágica dos pais.
Enoch passa a acompanhar a garota nas visitas ao hospital e propõe ajudá-la a preparar seu funeral nos três meses de vida que a restam.
Porém, à medida que o envolvimento entre os dois vai se consolidando fica mais difícil para Enoch acostumar-se com a ideia de perder o primeiro amor da adolescência.
Tal como Enoch, Annabel é uma adolescente peculiar.
Fã de Charles Darwin e de sua teoria evolucionista, admiradora de pássaros e insetos.
A jovem garota em momento algum é movida pelo sentimento de autopiedade devido a sua grave doença.
Ao invés disso decide viver plenamente cada dia de sua curta adolescência ao lado da família e de Enoch.
Contraste de cores e o vazio da morte: lembranças de um amor
Ao final, após três meses juntos o rapaz tem de se despedir de Annabel que assim como ele encara a morte com naturalidade e que no período em que passaram juntos o ensinou que não é preciso temer a morte, mas sim ter coragem para enfrentar a vida.
Em uma espécie de metáfora com um tom poético e triste após a morte de Annabel a câmera revisita os lugares, agora vazios e tomados pela melancolia do inverno, por onde ela e Enoch passaram.
Em um dos finais mais belos e singelos do cinema, no velório de Annabel Enoch pede a Elizabeth (Schuyler Fisk), irmã mais velha da garota, permissão para fazer um discurso em homenagem a amada, porém silencia-se e com um discreto sorriso no rosto relembra os momentos que viveu com a amada.
Há quem questione a razão do título do filme. Basta compreendermos que a inquietude a que Van Sant se refere permeia toda a história e as vidas de seus protagonistas: Enoch é um inquieto diante da morte e de seus mistérios. Annabel diante a dádiva da vida e sua efemeridade. Juntos alcançam o equilíbrio perfeito, por intermédio do amor, no modo como lidam com essa complexa relação vida/morte.
Referências
Inquietos. Direção: Gus Van Sant, 91 min, 2011.