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Crítica: Não me abandone jamais(2010)

Poster for the movie ""

Não me abandone jamais: a mortalidade nos une

Ambientado em um internato no interior inglês, o filme Não me abandone jamais (Never let me Go, 2010) conta a história de três jovens amigos: Kathy,Tommy e Ruth. No internato onde vivem eles aprendem atividades artísticas, domésticas e vivem uma vida aparentemente feliz e tranquila até descobrirem um segredo que transformará a relação entre eles e a vida de cada um.

Toda história é narrada por Kathy (Carey Mulligan) que com seu olhar observador e contemplativo vai conduzindo-nos na trama, na qual testemunhamos a complexa relação de amizade, solidão e amor entre os três protagonistas.

A linha narrativa pela subjetiva de Kathy nos leva a um reflexão existencialista sobre as relações humanas, sentimentos contidos e acima de tudo o sentido da vida. A partir do gatilho dado pela professora Lucy (Sally Hawkins) em sua tentativa de levar os alunos a questionar as regras que obedecem passivamente no internato, começamos a notar cada vez mais que distante de ser um lugar quase ‘perfeito’ para se viver o internato Hailsham é na verdade  um local que abriga clones criados com o único propósito: doarem órgãos para humanos.

Até o momento em que, já adultos, descobrem o propósito de suas vidas assistimos o desenvolvimento das tramas pessoais e afetivas entre os personagens e observamos o perfil distinto de cada um: Ruth (Keira Knightley) dotada de certo sadismo e ousadia, Kathy extremamente observadora, reprimida e reflexiva, Tommy (Andrew Garfield) e sua timidez extrema e o medo de arriscar.

O filme também é uma reflexão sobre como as instituições nos ‘ensaiam’ para a vida, mas na verdade não nos preparam para o conhecimento prático nas relações sociais, prova disso são duas cenas do filme que se destacam e se complementam: a primeira da peça teatral no internato com a tentativa frustrada da professora Lucy de ensinar seus alunos a serem autônomos em suas decisões e não autômatos.

E a segunda cena quando os três protagonistas, já adultos, saem pela primeira vez e na lanchonete, no contato com o mundo externo não são capazes de fazerem um simples pedido ao olharem o cardápio, isso por não terem aprendido a exercer a capacidade de escolha autônoma, mas apenas a seguirem orientações e comportamentos padronizados como um ensaio repetitivo de uma peça teatral.

As instituições os doutrinam a tal ponto que aceitam passivamente suas regras e ensinamentos e quando tentam ao menos protelar percebem de nada adiantar já que o propósito deles já estava selado sendo impossível lutar contra. Contudo, ainda que institucionalizados e padronizados eles se diferenciam nos traços de suas personalidades que escapam da repressão e da contenção de seus sentimentos.

Na tentativa de criar algo fisiologicamente semelhante e aperfeiçoado, a clonagem de humanos acaba igualando-nos ainda mais por não conseguir conter a mortalidade e nossa capacidade de sentir. E por isso convergindo para um mesmo fim: a mortalidade e o embate com a fugacidade do tempo.

O discurso final de Kathy resume bem a metáfora da vida/morte ao igualar humanos e clones unidos pela finitude da vida e vítimas do tempo que nos atravessa sem pausas.

A lacuna que sinto no filme é que deixa de explorar com mais profundidade a personagem da professora Lucy que tem uma rápida passagem pelo internato, mas isso talvez justifica-se pelo fio narrativo ser conduzido por Kathy que apesar de contemplativa e observadora não possui interesse nem consegue atentar para a singularidade da professora que queria dar a eles a chave para a autonomia despertando-os para realidade dos fatos, mas é impedida pela administração do internato que a demite ao notar que ela poderia ‘desvirtuar’ os alunos.

Não me abandone jamais é um filme poético, com densidade dramática e questões existencialistas que somado as atuações magníficas de Carey Mulligan em seu olhar melancólico, a uma Keira Knightley bem diferente das personagens românticas que habitualmente interpreta, aqui é impiedosa com os sentimentos da amiga e manipuladora e até mesmo Andrew Garfield que apesar de em grande parte do filme ficar na sombra dos talentos femininos de Mulligan e Knightley, tem seu momento de destaque na cena em que descobre ser um clone doador, quando com seu grito incontido potencializa o teor dramático do filme.

Além do elenco há de se ressaltar a qualidade das imagens que tornam cada cena um deleite visual para o espectador.

Por tudo isso, Não me abandone jamais nos leva a refletir que independente do propósito (se é que tenhamos um!) de nossa existência no final ela nos aproxima conduzindo-os a um mesmo caminho, o da inexistência e esquecimento da morte.

 

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