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Richard Linklater, o escultor do tempo

Se você é daquele tipo de espectador imediatista que gosta de um cinema fast- food. No qual você devora vorazmente um filme. Sente um prazer momentâneo e depois esquece com certeza você não se identificará com o cinema de Richard Linklater.

Isso por que na contramão deste cinema industrial feito para um público genérico que não se fadiga de assistir mais do mesmo. Linklater e alguns de seus filmes exigem de nós espectadores paciência e contemplação. Degustamos cada momento de suas histórias filmadas seguindo o curso temporal da vida e com personagens tão verossímeis a nós. Pessoas comuns, que não cremos que são de fato fictícios.

Richard Linklater

Os longos diálogos, tomadas permeadas pelo silêncio entre os personagens. A relação do lugar com os sentimentos e trajetórias dos personagens. Dentre outros aspectos são em conjunto uma tentativa de resgatar algo tão raro nas relações humanas: o ato de comunicar-se com o outro efetivamente.

A palavra é uma personagem onipresente em seus filmes e mesmo quando ela se contém ela está lá em expressões e gestos.

O que dizer de seus protagonistas naturalistas que deixam mostrar-se pela câmera com suas imperfeições e marcas do tempo. Com seus equívocos e fragilidades. Todos são em geral francos de modos distintos.

Celine (Julie Delpy)
Jesse (Ethan Hawke)

A beleza em seus filmes não está somente nas belas paisagens naturais ou urbanas. Nas atuações realistas de seus personagens, na sua capacidade quase psicológica de discutir relacionamentos. Mas acima de tudo está em nos mostrar sua incrível capacidade de mesclar com tamanha destreza o tempo real com o fictício que estes confundem-se não sendo possível ao final discerní-los.

Como um hábil escultor do tempo Linklater parece mostrar-nos a força que o atravessar do tempo tem em cada um de nós.

Modificando-nos no âmbito subjetivo e relacional e diferindo-se no modo como foi vivenciado individualmente.

Ou seja, o mesmo momento compartilhado pode ter perspectivas similares e contrastantes para aqueles que o vivenciaram. Como foi para o casal Jesse e Celine na Trilogia do Antes (Antes do amanhecer, Antes do pôr-do-sol e Antes da Meia-noite). Para Mason e seus pais em Boyhood: da infância à juventude (2014).

O mais interessante nos filmes de Linklater é quando seus personagens tomam noção da passagem do tempo em suas vidas. Como em Antes do pôr-do-sol (2003) quando na cena do café Celine indaga Jesse se ela mudou muito nestes dez anos. Que os separaram ao que ele faz a mesma pergunta a ela em uma típica insegurança humana quando somos vistos pelo olhar do outro.

Outro exemplo está na cena em que Olívia (Patricia Arquete), em Boyhood (2014), ao ver seu filho fazendo as malas para mudar-se questiona tudo que ela fez em seu papel materno. Nas renúncias que teve de fazer em sua dedicação extrema aos filhos. Para terminar sem a companhia de ambos em uma total falta de sentido do vivido por ela até então. Como é comum as mães, ela doou-se a tal ponto que não estava mais habituada a existir para si mesma.

Olivia (Patricia Arquete) em Boyhood.
Contudo, o que importa são as marcas indeléveis que o tempo nos traz.

Algumas permanecendo com as lembranças, outras sustentando-se com a fadiga de quem não o sentiu passando e outras ainda dissolvendo-nos e fazendo-nos perder em algum momento que estávamos despercebidos de nós mesmos ocupados com  algo.

A trilogia do antes: três momentos de Celine (Delpy) e Jesse (Hawke)

Cada filme de Linklater é um convite para usufruirmos da somatória de pequenos, mas relevantes momentos de nossas vidas antes que a fugacidade do tempo e o peso da maturidade nos façam esquecê-los.

Referências

Antes do pôr-do-sol. Direção: Richard Linklater, 80 min., 2003.

Boyhood: da infância à juventude. Direção: Richard Linklater, 166min, 2014.

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