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Crítica – Ruby Sparks(2011)

A idealização amorosa em Ruby Sparks, a namorada perfeita

Como lidar com as qualidades e defeitos do outro e ainda permanecer amando-o?

Essa é a grande premissa da inteligente e divertida comédia romântica Ruby Sparks: a namorada perfeita (Ruby Sparks, 2012) dirigida com maestria pelo casal de cineastas Jonathan Dayton & Valerie Faris.

Dano em cena - talento incomparável
Dano em cena – talento incomparável

O filme conta a história de um jovem escritor anti-social e tímido que sofre de bloqueio criativo, até ser aconselhado por seu psiquiatra (Elliott Gould) a escrever uma redação de uma página para tentar superar a difícil fase.

Seguindo o conselho, o protagonista Calvin (Paul Dano) começa a datilografar as primeiras linhas de sua nova história a partir das visões que tem de uma garota que aparece com freqüência em seus sonhos. Inspirado e encantado com a imaginária Ruby (Zoe Kazan), Calvin perde a noção do tempo escrevendo sobre essa garota dos seus sonhos que em uma manhã se materializa e surge em sua casa.

Dentro do sonho de Calvin (Dano): admirando Ruby (Kazan)
Dentro do sonho de Calvin (Dano): admirando Ruby (Kazan)

Perplexo em vê-la o rapaz não acredita e temendo estar louco pede por telefone conselhos ao irmão (Chris Messina) que desacredita de tal fato.

O desespero cômico de Calvin (Dano)
O desespero cômico de Calvin (Dano)

Na tentativa de ignorar o episódio fantástico Calvin tenta fugir de Ruby, mas acaba acompanhado pela garota que diz ser sua namorada. Na rua, após notar que Ruby pode ser vista por outras pessoas o escritor então certifica que a garota de seus sonhos materializou-se de fato. Pela primeira vez ele enxerga uma possibilidade de realização amorosa após um único relacionamento anterior fracassado.

Ela é real!
Ela é real!

A partir daí acompanhamos o convívio do novo casal.  Uma das sequências mais adoráveis do cinema assistimos a fase mágica do início do namoro, na qual tudo é estimulante e prazeroso.

Contudo, além da difícil tarefa de apresentar Ruby ao irmão incrédulo do acontecido. Calvin ainda tem de torná-la conhecida entre seus demais parentes: a mãe hiponga (Annette Bening) e o padrasto (Antônio Banderas) nada convencional. Com o qual Calvin não se relaciona bem desde a morte de seu pai. A visita a casa da mãe expõe a dificuldade de Calvin em aceitar o novo estilo de vida dela e a presença do padrasto em sua família, considerado por ele um intruso inconveniente.

Uma família nada convencional e as atuações brilhantes de Bening e Banderas

Essa complexidade das relações familiares é recorrente na filmografia do casal de cineastas Dayton e Faris. Em a Pequena Miss Sunshine (2006) temos problemática família Hoover que apesar de nada usuais se amavam acima de tudo. Ao mostrar os desafios presentes no seio familiar Dayton e Faris desejam apresentar a singularidade e ao mesmo tempo a dificuldade da convivência familiar. Comum em cada um dos lares da vida real, nos quais bem distante do padrão de perfeição dos antigos comerciais de margarina tem de enfrentarem na realidade os defeitos e qualidades de cada um na tentativa quase impossível de manterem um ‘lar doce lar’ com unidade familiar.

Superado o desafio de apresentar a namorada a sua família exótica, Calvin começa a lidar com a realidade comum em um relacionamento amoroso e tem de fazer as devidas ‘correções’ para ‘moldar’ a personalidade de Ruby de acordo com sua vontade e desejos enquanto ‘idealizador’ da garota.

Contudo, mesmo em meio a algumas modificações na personalidade de Ruby o escritor apaixonado divide-se entre a culpa, por manipular as vontades de sua criação ao mesmo tempo em que teme deixá-la ser livre e perdê-la.

Uma nova fase instaura-se, no até então relacionamento perfeito, e como qualquer casal comum eles discutem e na iminência da ruptura definitiva Calvin expõe sua personalidade controladora e conta toda a verdade a amada Ruby.

Na única cena densa do filme ocorre o embate entre criador e criatura e como espectadores temos o privilégio de assistir as atuações impecáveis de Dano e Kazan, os quais considero dois dos melhores atores do cinema contemporâneo.

Em uma cena catártica os atores nos conduzem pra dentro desta discussão, na qual o personagem de Dano é a representação do desejo humano de controle, principalmente no campo amoroso, do outro em uma tentativa frustrante de remover seus defeitos e torná-lo o ‘par ideal’. Temos dificuldade em lidarmos com a realidade de nossos relacionamentos e de quem amamos ao notarmos que o amor romântico só existe na ficção.

Queremos como Calvin, sermos o ser adorado mesmo com nossas fraquezas e defeitos ao passo que não aceitamos isto no outro.

Após a exaustão do embate entre criador e criatura, Ruby parte, solitário Calvin decide seguir deixando-a livre de sua autoria controladora. Ruby é livre para ser Ruby em toda sua autenticidade.

Sequência forte: o amor se torna um embate entre criador e criatura
Sequência forte: o amor se torna um embate entre criador e criatura

Como resultado de sua vivência amorosa incomum o jovem escritor de coração partido lança o livro em homenagem a sua musa na esperança de um dia reencontrá-la, só que deixa a cargo do acaso a tarefa de definir a efetivação desta possibilidade.

Ao final, em um passeio banal com o cão Scott, para alívio do público romântico, Calvin e Ruby reencontram-se e surge assim a possibilidade de um recomeço, desta vez sem manipulações por parte do rapaz, surpreso em rever sua musa amada e agindo com cautela para esse provável recomeço.

Uma segunda chance ao amor
Uma segunda chance ao amor

Casais da vida real: sintonia e talento no cinema

Senti a necessidade de escrever este tópico extra como uma homenagem aos casais reais que realizaram essa comédia romântica cativante e deliciosa. Os cinéfilos de plantão sabem que para além da ficção os atores Paul Dano e Zoe Kazan além do talento dividem a vida a dois, tal como os diretores do filme Jonathan Dayton e Valerie Faris. Roteirizado pela própria Kazan o filme ainda é a segunda parceria entre os cineastas e Dano, com o qual já trabalharam no aclamado Pequena Miss Sunshine (2006).

Para os amantes do bom cinema, em meio a narrativas cinematográficas recentes carentes de conteúdo e ao domínio das franquias da Marvel neste tipo de cinema de entretenimento vazio, encontrar talentos como destas duplas de casais é consolador além de certeza de boas histórias.

Kazan e Dano - amor na ficção e na vida real
Kazan e Dano – amor na ficção e na vida real

Tanto Dano quanto Kazan são atores que, mesmo  fora do padrão estético de Hollywood, conseguiram oportunidades e não se deslumbraram com as frivolidades do mundo da sétima arte optando por escolherem papéis desafiadores, nos quais possuem liberdade criativa para exercerem seus talentos inatos.

Do mesmo modo são o casal de cineastas Dayton e Faris. Conquistaram o mundo com Pequena Miss Sunshine continuaram realizando trabalhos incríveis para artistas da música e no próprio cinema. Em meio a filmografias comerciais e repetitivas, eles constroem sua trajetória cinematográfica na contramão deste lugar-comum.

Dayton e Faris - unidos pela sétima arte
Dayton e Faris – unidos pela sétima arte

Vida longa e muitos outros trabalhos magníficos deste talentoso quarteto para o universo cinematográfico!

Referências

Ruby Sparks: a namorada perfeita. Direção: Jonathan Dayton e Valerie Faris, 104min, 2012,

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